CASAL DO FOZ A TERCEIRA LENDA

Sem duvida, o Brasil é o País do futuro. Há apenas, de não se adiar esse futuro.

sábado, 17 de abril de 2010

AMOR NA GUERRA

DISCOS PEDIDOS

É tempo de expressar-se, desde já que as mortes infligidas a terroristas na mata, ficavam à conta dos seus camaradas. Obviamente o transporte feito pelas tropas regulares era impossível.
Deve ficar esclarecido, no Esquadrão, era ponto assente que só se recorria à força de tiroteio, depois de dada ordem para os opositores se entregarem.
Aquela guerra visava apenas a integração. Passada a fase da grande violência terrorista, a força de retaliação queria evitar represálias.
Estas eram as ordens emanadas dos comandos e eram respeitadas escrupulosamente no Esquadrão 297.
Música improviada na guerra

Por esta altura tornava-se muito frequente as idas a Quimanoche.
Enquanto se recuperava material de construção, não deixava de estar em acção um objectivo principal, a vigilância do perímetro adstrito àquela força expedicionária.
No âmbito desse desiderato havia já um pelotão do grande quartel da cidade de Nova Lisboa, constituído por militares locais em que só o superior, um alferes, um sargento e dois cabos eram brancos.
Estavam na Fazenda Três-Marias, a base para em muitos regressos, se efectivarem os almoços da tropa em movimento.
Sempre no âmbito da operacionalidade, coube ao Onofre e companheiros, participarem em mais uma escolta, onde se contou a apreensão de valiosos documentos e variados objectos.
A dez de Agosto houve novo destacamento de substituição em Vista Alegre. Além da continuidade em posição operacional, foi retomado o que já se tornara rotineiro:
- Posição adaptada à espera de entrar em combates de guerra!...
Em vinte e quatro de Agosto, numa viagem ao Tari tomou-se conhecimento que, numa operação um dos pelotões havia aprisionado duas mulheres.
Agosto de 1962, dia vinte e nove, a tropa do Esquadrão numa acção de assalto, a que se ia dando a denominação de batida, fez várias baixas e apanhou um casal, cuja condição de terrorista não seria adequada.

Ângela Maria, cançonetista brasileira com os seus grandes êxitos na rádio
O maior seria: "Será que eu sou feia? / Não é nao senhor / Você é um amor"

Enquanto permaneceu no Tari, não foi muito molestado nos normais e habituais interrogatórios nestes casos.
No dia doze de Setembro, foi a vez do Onofre, em substituição alinhar apeado numa batida.
Pela única vez, andou cerca de oito horas embrenhado na mata e no capim. Deu para entender melhor o grande esforço desenvolvido pelo Esquadrão.
Nada tendo resultado, serviu apenas para ver um terrorista de longe em fuga desordenada fora do alcance de trajectórias balísticas, com o armamento disponível ou com perseguição naquele terreno de vegetação tão exuberante, sempre mais favorável a fugitivos conhecedores do meio.
No dia dezassete, ainda no mês de Setembro de 1962, de novo formado pelo pelotão do Onofre, com a metralhadora pesada Breda, montada no Jeep que este comandava, partiu às duas da madrugada para entrar em nova batida, onde foram efectuados mais mortos.
Recorda-se aqui o vinte e sete de Setembro, em que numa missão das habituais escoltas, desta vez a Mucondo, no caminho foi avistado e caçado um javali:
Foi necessário todo um pelotão, o efectivo da tropa em movimento, para efectuar a caça à peça, que depois serviu uma refeição.
Verificou-se difícil haver numa mesa de carne tão saborosa.
No seio de uma guerrilha, como a que se verificava, se vista com espírito de aventura, à maneira do Onofre, podem encontrar-se momentos de agradabilidade.
Numa altura em que se ia desenvolvendo imensa luta, com o inerente trabalho, para que se reconhecesse predominar ali o Grande Esquadrão.
Em virtude da amizade muito pessoal e próxima que o Onofre mantinha com o Jaime, um dos poucos a possuir um rádio portátil a operar naquele acampamento, algures numa mata a Norte, em quartel militar, a audição do receptor era um dos entretenimentos disponíveis.
Como os inúmeros postos emissores difundiam para os muitos contingentes militares que ocupavam a zona envolvida pela guerrilha, todos tinham já na grelha de programas, vários de discos pedidos, muitos dos quais chegavam de familiares, amigos e Madrinhas de Guerra, vindas do Continente.
Nomes em voga muito passados nessa altura, além de outros eram os de António Prieto (latino-americano), Paul Anka (Canadiano), Frank Sinatra (americano), Gelu (espanhola), Ângela Maria (brasileira), Fernando Farinha, "Os Planetas da Kaala" (grupo de militares aprestar serviço em Angola), "Conjunto Maria Albertina" ou Raúl Solnado (mormente com a "História da Ida à Guerra").

Gelú, cançonetista espanhola. As rádios difundiam várias vezes por dia
em discos podidos por família, namoradas ou por essas grandes figuras,
as Madrinhas de Guerra, o seu êxito "Moendo Café"

As Madrinhas de Guerra constituíam também um paliativo para ajudar na passagem daqueles tempos. Portanto a chegada da avioneta à pista do aquartelamento era muito saudada.
Sempre aguardada por um pelotão em pronta posição de defesa.
De recordar, uma aventura de Onofre; ideia do Arlindo, sempre ele:
- Passou a enviar as cartas para algumas Madrinhas de Guerra, sem o respectivo selo da taxa, dizia ele: que paguem a multa, para alguma coisa servem. Devem pagar, para ajudar o Estado, no esforço da guerra!
O inefável Arlindo dizia isto, com o ar mais sério deste mundo.
Estava-se na fazenda Vista Alegre, passou uma coluna, vinda do Tari, que foi em serviço a Muxaluando, onde estava sedeado o Batalhão e era possível adquirir selos, assim como passava a avioneta em maior número de vezes.
A correspondência sempre em dia era um modo
de empregar tempos livres
Comandava a coluna o Sargento Pires que levou o correio, algum para selar. Porém uma carta enviada por Onofre ali estava, como que selada.
Propositadamente, o sítio do selo estava arranjado como se este tivesse caído. O Sargento adquiriu a estampilha e remediou.
No regresso contou o sucedido e obteve sorrisos como resposta.
Soube então que os três da vida airada, Daniel, Teodoro e Arlindo, tinham adoptado o sistema, toda a gente voltou a sorrir.
Depois, houve mais risos: Onofre quis pagar os 2$50, custo do porte da carta, porém o Sargento encolheu os ombros, voltou a sorrir e não quis aceitar.
Não se pensava tanto na carne, peixe e outros frescos que deveria transportar bissemanalmente, destinados à alimentação, mas no correio que também chegava por aquela via.
A correspondência que exercia fascínio, enquanto levantava o moral das tropas.
Onofre parecia viver obcecado por aquela que sempre adocicou a sua existência por toda a comissão, marcando constante presença com as suas missivas.
Era a Ana Zé, que mantendo a sua obsessão, hesitou em subir de "posto", como se diria em conversas de caserna, encontrando sempre uma bondade incomensurável da parte do Onofre!...

Daniel Costa

2 comentários:

  1. Um capítulo fantástico Daniel! E ora veja..Angela Maria! E aqui fiquei informada através deste precioso relato. Obrigada.

    Carinhoso beijo, amigo.

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  2. Maravilhosa seu conto, E com Angela MaRIA!

    "Se pudesse deixar algum presente a você
    deixaria aceso o sentimento de amar
    a vida dos seres humanos
    A consciência de aprender tudo
    o que foi ensinado pelo tempo afora
    Lembraria os erros que foram cometidos
    para que não mais se repetissem
    A capacidade de escolher novos rumos
    Deixaria para você se pudesse
    o respeito àquilo que é indispensável
    Alem do pão o trabalho
    Além do trabalho ação
    E, quando tudo mais faltasse um segredo
    o de buscar no interior de si mesmo
    a resposta e a força para encontrar a saída"
    [Gandhi]

    bEIJOS

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